O mal de Parkinson (que abreviaremos, no que segue, por MP) é uma das mais comuns doenças nervosas atingindo pessoas que já ultrapassaram a barreira dos 50 anos de idade. Com efeito, entre essas doenças, só a de Alzheimer é mais frequente. Os exemplos mais conhecidos de vítimas do MP são o Papa João Paulo II e nosso Muhammad Ali.
Como Muhammad Ali é o boxeador mais conhecido do mundo, foi quase automática a associação do mal de Parkinson com a prática do boxe. Em verdade, desde que o médico William Parkinson iniciou o estudo dessa doença, coisa de quase duzentos anos, muito pouco se sabe sobre as causas que iniciam esse processo degenerativo. Assim, o propósito desta pequena nota é desmitificar, em termos intelegíveis para leigos em medicina, a associação boxe-MP.
Sintomas do mal de Parkinson
Os leigos costumam identificar o MP com o incessante tremor de mãos. Isso é ilusório, pois apenas um terço das pessoas com MP apresentam esse sintoma e porque a causa mais comum de tremor de mãos nada tem a ver com o MP. Para aumentar a confusão, existe uma muito grande variedade de sintomas semelhantes aos do MP. Isso tudo faz com que o diagnóstico do MP possa ser difícil, até mesmo para especialistas.
É fundamental termos em vista que os sintomas do MP podem variar bastante de um doente para outro. Ademais, os sintomas de uma mesma pessoa variam, em forma e intensidade, ao longo do tempo, à medida que vai degradando seu sistema nervoso.
Apesar disso, realmente é verdade que os sintomas mais comuns do MP são o tremor das mãos, a fala lenta e sussurada, a lentidão dos movimentos e a dificuldade de locomoção/equilíbrio, bem como o rosto com musculatura tão rígida que o doente parece ser incapaz de ter emoções.
Também é importante notarmos que o MP não afeta o grau de inteligência das pessoas e que ele não é uma doença fatal, embora seja incapacitante a longo prazo.
Mas, e o que realmente é o mal de Parkinson?
Resposta rápida:
O MP é uma doença nervosa degenerativa causada pela morte das células cerebrais que produzem uma substância chamada dopamina.
Um pouco mais detalhadamente:
Os movimentos e gestos que fazemos são comandados por pulsos elétricos que nosso cérebro envia aos músculos. A transmissão desses pulsos é viabilizada por duas substâncias: a dopamina e a aceticolina. A dopamina é produzida numa pequena região da base do cérebro e ela é a responsável pela transmissão dos pulsos elétricos especializados em fazer nossos movimentos e gestos ficarem suaves, precisos e fáceis. Sem ela, ou com pouco dela, esses pulsos reguladores deixam de chegar aos músculos e, então, surgem os sintomas do MP.
Causas do mal de Parkinson:
Já se sabe bastante sobre o que ocorre no MP, mas pouco sobre o que inicia esse processo degenerativo. Em particular, é fundamental que enfatizemos que já se sabe que os sintomas do MP aparecem só depois da morte de cerca de 80% das células cerebrais que produzem dopamina, mas não se sabe o que ocasiona a morte dessas células.
As pesquisas atuais sobre as causas do MP dividem-se em duas frentes de ataque: as que investigam a possibilidade do MP ser devida a:
- 1).- fatores externos associados a estilos de vida e ao meio ambiente.
Alguns dos fatores correntemente investigados: uso de àgua de poço, exposição a pesticidas e inseticidas agrícolas, longo uso de remédios para males da cabeça (como náuseas e epilepsia), traumas cranianos (como acidentes de automóvel e a prática do boxe), etc, etc. - 2).- fatores genéticos:
É quase certo que uma muito pequena quantidade de casos de MP tem causas genéticas, embora desconheça-se quem seriam elas.
Atualmente, não se conhece nenhum fator que garantidamente inicie a morte das células produtoras da dopamina. Nesse sentido, as correlações obtidas pelos vários pesquisadores tem sido muito contraditórias e as conclusões pouco práticas. Em particular, ainda não se conhece nenhum teste capaz de detectar o MP nos seus estágios iniciais.
O boxe e o mal de Parkinson:
Alguém já disse que essa associação é mais um mito inventado pela imprensa, certamente originado pelo fato de que Muhammad Ali tem o MP. Com efeito, é uma consequência do que foi dito acima que não foi provada a associação entre prática de boxe e MP. Contudo, elaboremos um pouco mais esse tema.
A primeira coisa a observar é que será bastante difícil se chegar a uma prova definitiva de que o boxe provoca, ou que não provoca, o MP. A razão básica é que entre o encerramento do período competitivo de um boxeador e o surgimento do MP temos um intervalo típico de 20 a 30 anos. Isso é um intervalo muito grande, durante o qual mil e um outros fatos clinicamente importantes poderão ocorrer.
Um dos primeiros estudos da possível relação entre boxe e MP foi realizado na famosa Clínica Mayo, nos USA. A mesma tem um dos maiores bancos de dados de pacientes do mundo. Examinando esse banco de dados, seus pesquisadores não conseguiram identificar nenhuma correlação entre traumas cranianos e o MP.
Por outro lado, se sabe com toda a certeza que a prática do boxe, principalmente do boxe profissional, pode provocar várias doenças do sistema nervoso. O ideal seria que o boxe profissional adotasse as normas de segurança do boxe olímpico, tais como uso obrigatório de protetor de cabeça (capacete), mesmo em treinamentos.
Aos que insistem com o caso Muhammad Ali, é de se observar que ele não pode ser tomado como exemplo típico. Com efeito, Ali foi um boxeador que levou uma quantidade de socos bem fora do normal para o boxe profissional dos últimos 50 a 70 anos. Isso não pelas muito duras lutas por título que teve contra Sonny Liston, George Foreman, Joe Frazier e outros, mas principalmente por sua muito pouco conhecida atitude irresponsável nos treinos. Costumava treinar com os mais fortes sparrings e gostava de baixar a guarda e desafiar que os mesmos o derrubassem. Isso ocorria quase diariamente, quando em treinamento para alguma luta. Mesmo assim, nenhum médico provou que Ali ficou com o MP por causa do boxe. Tudo não passa de suspeitas.
ALERTA:
Muito esforço foi feito e muito cuidado foi tomado para que as informações deste texto sejam atualizadas e tenham base científica. Contudo, como a Medicina é uma ciência em contínua evolução e como cada pessoa pode apresentar particularidades clinicamente decisivas, é crucial que o leitor veja este texto como tendo mero caráter educativo, sendo incapaz de substituir uma consulta com um médico.
Referências
Rosabel Young: Update on Parkinson’s Disease.
American Academy of Family Physicians, 1999.
A. Despopoulos, S. Silbernagl: Color Atlas of Physiology, 4th edition.
New York, Thieme, 1995
Goldman SM, Tanner C.: Etiology of Parkinson’s disease. In Jankovic J, Tolosa E (eds): Parkinson’s disease and movement disorders. 3rd ed.
Baltimore: Williams and Wilkins.
Martyn CN, Osmond C.: Parkinson’s disease and the environment in early life. J Neurol Sci 1995;132:201-206.